A MUSICOTERAPIA NO TRATAMENTO DE CRIANÇAS AUTISTAS
Kécia
Silva Coutinho[1]
Nydia
do Rego Monteiro[2]
RESUMO – Este artigo tem
como objetivo avaliar a importância da musicoterapia no tratamento de crianças
autistas. Pretendemos possibilitar um conhecimento mais abrangente, sobre os
benefícios que a música manifesta nesta perturbação. O autismo é uma disfunção global do desenvolvimento. É uma alteração
que afeta a capacidade de comunicação do indivíduo, de socialização e de
comportamento. A musicoterapia é um recurso terapêutico de grande importância.
Sendo a primeira técnica de aproximação com estas crianças. A musicoterapia procura desenvolver
potenciais e/ou restaurar funções do indivíduo para que ele alcance uma melhor
qualidade de vida, através da prevenção, reabilitação ou tratamento.
PALAVRAS-CHAVE:
Musicoterapia, música, autismo.
1. INTRODUÇÃO
O autismo é um distúrbio do desenvolvimento humano
que vem sendo estudado pela ciência há mais de seis décadas, mas sobre o qual
ainda permanecem, dentro do próprio âmbito da ciência, divergências e grandes
questões por responder.
Atualmente, embora o autismo sendo muito conhecido,
ele ainda surpreende pela diversidade de características que pode apresentar e
pelo fato de, na maioria das vezes, a criança que tem essa perturbação ter uma
aparência totalmente normal.
Ultimamente o número de
diagnósticos tem aumentado e são concluídos em idades cada vez mais precoces,
as suas questões fundamentais vem sendo cada vez reconhecidas com mais
facilidade por um número maior de pessoas.
A música, cujo efeito sobre a mente é inegável, e é
muito utilizada em técnicas de relaxamento, apresenta a vantagem de ser muito
apreciada pelas crianças com autismo e por isso a musicoterapia é a primeira
técnica de aproximação com estas crianças. As experiências musicais que
permitem uma participação ativa (ver, ouvir, tocar) favorecem o desenvolvimento
dos sentidos das crianças. Ao trabalhar com os sons ela desenvolve a acuidade
auditiva, ao acompanhar gestos e dançar ela trabalha a coordenação motora, o
ritmo e a atenção, ao cantar ou imitar sons ela descobre as suas capacidades e
estabelece relações com o ambiente em que vive.
A Musicoterapia promove a comunicação,
relacionamento, aprendizado, mobilização, expressão, organização, entre muitos
outros aspectos, da pessoa humana, indo ao encontro de suas necessidades
físicas, mentais, sociais ou cognitivas. Qualquer pessoa pode ser tratada com
musicoterapia. Por ser técnica de aproximação, reduz problemas emocionais ou
atitudes que demandariam grandes doses de energia psíquica. É um canal
universal de comunicação com o mundo que utiliza como elemento principal a
única e verdadeira linguagem universal existente: a música.
Estudiosos afirmam ser a música a única ponte de
comunicação possível aos portadores deste tipo de comportamento.
2. AUTISMO
2.1
Definição:
Schwartzman (1994),define o autismo
infantil como uma síndrome, na qual se caracteriza pela presença de desvios nas
relações interpessoais, linguagem e comunicação, tais como: comportamentos
não-verbais, prejuízo no contato visual direto, expressão visual, posturas e
gestos corporais, e um repertório marcantemente restrito de atividades e
interesses (DSM-IV, 1994). E comportamento com início na infância até o final
do terceiro ano de vida.
Além disso, apresenta padrões
restritos, repetitivos e esteriotipados de comportamento e maneirismo motores.
Dessa maneira, pode se observar uma inflexível adesão a rotinas ou rituais
específicos e não funcionais (MARTELLI E COLS, 2000). As manifestações do
tratamento variam imensamente, dependendo do nível de desenvolvimento e idade
cronológica do indivíduo (DSM-IV, 1994).
Martelli e cols (2000), nos
mostra com relação ao déficit social ou emocional, pode ser observado em jogos
ou brincadeiras sociais simples que a criança prefere atividades solitárias, ou
envolve os outros em atividades apenas como instrumentos ou auxílios
“mecânicos”. Devido à conscientização da existência dos outros pelo individuo
encontra-se bastante prejudicada, por meio disso, pode ignorar outras crianças,
inclusive irmãos, não percebe o sofrimento de outra pessoa.
2.2.Causas:
Poucos distúrbios ou doenças causam mais perplexidade,
sugerem mais pesquisas e estudos como o autismo. E, no entanto, muito pouco ou
quase nada se sabe sobre causas. Cientistas e estudiosos do mundo todo buscam o
fator ou os fatores causadores do autismo, mas só conseguiram chegar a alguns
fatores que poderiam ser predisponentes. São eles: rubéola materna,
fenilcetonúria não tratada, encefalite, meningite, tuberosclerose, exposição
química, desbalanceamento químico durante o desenvolvimento da criança e
predisposição genética.
2.3.Tratamento:
O tratamento é complexo, centra-se em intervenções,
incluindo o componente comportamental, educacional e psicológico; e numa
abordagem farmacológica destinada à redução de sintomas-alvo, representados principalmente
por agitação, agressividade e irritabilidade. Não existe nenhum tratamento
específico.
3. MUSICOTERAPIA
A musicoterapia é o
campo da medicina que estuda o complexo som-ser humano-som, para utilizar o
movimento, o som e a música, com o objetivo de abrir canais de comunicação no
ser humano, para produzir efeitos terapêuticos, psicoprofiláticos e de
reabilitação no mesmo e na sociedade. (BENENZON)
Pode
ser aplicada desde a vida intra-uterina, pois várias pesquisas provaram que o
feto reage ao som e, pode ser estimulado desde cedo, nasce com maior capacidade
de desenvolver o seu potencial.
A
musicoterapia é conhecida desde a antiguidade, mas desde os anos 40 do século
XX, é conhecida como ramo da medicina. O esquema básico desta disciplina contempla
três aspectos: a interação positiva do paciente com outros seres, a auto-estima
e a utilização do ritmo como elemento causador de energia e ordem. A
musicoterapia atua como motivação para o desenvolvimento de auto-estima, com
técnicas que provocam no individuo sentimentos de auto-realização,
autoconfiança, auto-satisfação e muita segurança em si mesmo. O ritmo, elemento
básico, dinâmico e potente na música, é o estímulo orientador de processos
psicomotores que provocam a execução de movimentos controlados.
Como
forma de tratamento a musicoterapia já vem sendo utilizada há milhares de anos,
porém com o aparecimento dos fármacos foi deixada de lado pela sociedade
moderna e só voltou a ser levada a sério como fator terapêutico no final dos
anos 70.
Foram
os EUA o país que contou com a primeira associação para impulsionar este ramo
da ciência com a “National Society for Musical Therapeutics” (New York, 1903),
fundada pela pioneira da musicoterapia, Eva Augusta Vescelius. Em 1950 foi
fundada a “National Association for Music Therapy”.
Para
Bruscia (1987) “A musicoterapia é um processo dirigido a um fim, naquele em que
o terapeuta ajuda o paciente a acrescentar, manter ou restaurar um estado de
bem-estar utilizando experiências musicais e as relações que se desenvolvem
através delas, como forças dinâmicas de mudanças”. Se a musicoterapia, seguindo
esta definição, é um processo, então constará de diferentes etapas, que neste
caso são as seguintes: informação sobre as perturbações a tratar, traçado de
objetivos, tratamento, avaliação, segmento e finalização do tratamento.
A
música é a que melhor pode resistir às forças negativas derivadas da
institucionalização do doente mental. Para a imaginação não existem fronteiras
e a música, com o seu enorme poder para revelar a nossa fantasia, ajuda a
evadir-nos da realidade, a colori-la de afetividade, da que pode ver-se privado
o doente mental. A sua utilidade não se limita aos doentes mentais:
efetivamente a música é o melhor remédio perante a fadiga originada pelo
trabalho e a rotina.
A
música em si mesma não é terapêutica, o que fazem que a música possa ter um
potencial terapêutico são os musicoterapeutas com a aplicação profissional e
sistemática das diversas possibilidades e experiências que a música oferece: o
musicoterapeuta é um especialista que entende, pensa e fala em música. Ou seja,
conhece profundamente a estrutura do material com que trabalha, adequando-o as
características patológicas dos pacientes a quem é dirigido o seu trabalho.
Em
musicoterapia utiliza-se a música para trabalhar objetivos não-musicais através
da participação do paciente em experiências musicais terapêuticas dentro de um
plano de trabalho sistemático e organizado que implica a utilização de métodos
e técnicas específicos de trabalho e avaliação.
4. A MUSICOTERAPIA NO TRATAMENTO
DE CRIANÇAS AUTISTAS
A
música e a musicoterapia podem ser muito efetivas em reforçar e mudar o
comportamento social da criança com autismo. Na comunicação a musicoterapia
facilita, o processo da fala e vocalização, estimulando o processo mental
relativamente a aspectos como conceitualização, simbolismo e compreensão.
Adicionalmente, regula o comportamento sensitivo e motor, o qual está
frequentemente alterado na criança autista. Neste sentido, a música com
atividade rítmica é efetiva em reduzir comportamentos estereotipados. Também
facilita a criatividade e promove a satisfação emocional, dando liberdade do
paciente no uso de um instrumento musical, a margem do tipo de sons que podem
sair dele.
As
fontes de conhecimento da criança são as situações que ela tem oportunidade de
experimentar no dia-a-dia. Dessa forma, quanto maior a riqueza de estímulos que
ela receber melhor será seu desenvolvimento intelectual.
A
abordagem pedagógica da criança autista depende muito do pragmatismo, espírito
de criatividade, experiência e bom senso do educador, e deve ser complementada
com o auxílio de recursos diversos como imagens, desenhos, pinturas, música,
jogos, brinquedos especiais, atividades artísticas, manipulação com massas e
trabalhos com o computador. O importante é estimular a criança, dar-lhe
atividades, tanto físicas como mentais, e não deixa-la isolar-se e afundar-se
nas estereotipias, que acabarão por dominá-la, atrofiando ainda mais o seu
sistema cognitivo, caso não haja uma estimulação permanente.
A
musicoterapia é um recurso terapêutico de grande importância. Sendo a primeira
técnica de aproximação com estas crianças. Pode considerar-se que elas são uma
espécie de feto que se defende contra os medos de um mundo externo desconhecido
e contra as sensações das deficiências do seu mundo interior. Portanto, é
importante trabalhar em etapas com elementos de regressão, ou seja,
musicoterapia passiva ou receptiva (o paciente é submetido ao som sem
instruções prévias), de comunicação e de integração.
As
atividades com música, por exemplo, servem como estímulo à realização e ao
controle de movimentos específicos, contribuem na organização do pensamento, e
as atividades em grupo favorecem a cooperação e a comunicação. Além disso, a
criança fica envolvida numa atividade cujo objetivo é ela mesma, onde o
importante é o fazer, participar, não existe cobrança de rendimento, a sua
forma de expressão é respeitada, a sua ação é valorizada, e através do
sentimento de realização ela desenvolve a auto-estima.
As
necessidades educativas de uma pessoa autista devem ser determinadas
individualmente.
As
atividades musicais favorecem a inclusão de crianças autistas. Pelo seu caráter
lúdico e de livre expressão, não apresentam pressões nem cobranças de
resultados, são uma forma de aliviar e relaxar a criança, auxiliando na
desinibição, contribuindo para o envolvimento social, despertando noções de
respeito e consideração pelo outro, e abrindo espaço para outras aprendizagens.
As
atividades e técnicas que incorporam a música de uma forma interativa, podem
ser de muito valor para as terapias de crianças autistas. As técnicas da
terapia musical podem ajudar estas crianças a serem mais espontâneas na
comunicação, a romperem o seu padrão de isolamento, a reduzirem a sua ecolalia,
a socializarem e a compreenderem mais linguagem.
Devido
às diferenças entre indivíduos com autismo, não existem regras universais sobre
como se deve aplicar à terapia musical. Umas crianças podem reagir positivamente
a certa técnica, enquanto outras podem fazê-lo negativamente. A música pode ser
um instrumento muito poderoso para romper padrões de isolamento ao prover um
estímulo externo.
A
terapia musical pode fornecer alternativamente, um objeto de interesse mútuo
através de um instrumento musical. Em vez de ser ameaçador, a forma, o som e o
tato do instrumento pode fascinar a criança com autismo. O instrumento pode
converter-se num intermediário entre o paciente e o terapeuta, provendo um
ponto inicial de contato. Ao tempo, um terapeuta treinado pode estruturar a
experiência desde o princípio da terapia para minimizar efeitos negativos tais
como sobrecarga sensorial e rituais auto-estimulantes. O som do instrumento,
assim como o seu aspecto visual e tátil, podem ajudar a criança a compreender
que outra pessoa o está a criar. A música e as experiências musicais podem ser
fontes de quantidades inumeráveis de tipos de relações. Uma vez que a barreira
tenha sido ultrapassada, o terapeuta musical continua com uma série de
experiências estruturadas que podem aumentar a atenção destas crianças, e
libertá-las do seu mundo.
As
crianças autistas tem comportamentos “musicais” que são indicativos de como a
música pode ser um meio importante para fazê-las emergir do seu mundo. Alguns
exemplos destes comportamentos são a repetição de segmentos de canções
escutadas, o ritmo espontâneo, a atração por certos sons, timbres ou fontes
sonoras e o movimento espontâneo a certo tipo de música.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A terapia através da música é uma nova estratégia com enormes
potencialidades no tratamento de crianças autistas.
O
autismo é uma síndrome comportamental, cujos achados essenciais implicam
alterações no desenvolvimento, nas respostas a estímulos sensoriais, na fala,
na linguagem, nas capacidades cognitivas e na capacidade para se relacionar com
pessoas ou objetos.
A
música é um instrumento dinâmico que ajuda no tratamento das necessidades
sensoriais da integração.
A
musicoterapia procura desenvolver potenciais e/ou restaurar funções do
indivíduo para que ele alcance uma melhor qualidade de vida, através da
prevenção, reabilitação ou tratamento.
A
musicoterapia pode influir direta ou indiretamente sobre o bem-estar emocional,
relações interpessoais, desenvolvimento pessoal, autodeterminação, inclusão
social e direitos.
6. REFERÊNCIAS
SCHWATZMAN, J. S. Autismo Infantil. Brasília:CORDE,
1994.
Diagnostic and
Statistical Manual of Mental Disorders, DSM IV, 1994. Disponível em
http://virtualpsy.locaweb.com.br/dsm.php . Acesso em 07 junho 2010.
MARTELLI, A. P. S.
(colaboradores). Autismo: orientação
para os pais. Brasília: Ministério da Saúde, 2000.
BENENZON, Rolando. Teoria da Musicoterapia: Contribuição ao conhecimento do contexto não-verbal
/ Rolando Benenzon {tradução de Ana Sheila M.de Uricoechea}. – São Paulo:
Summus, 1988.
BRUSCIA, Kenneth E. Definindo Musicoterapia / Kenneth E. BRUSCIA: tradução Mariza
Velloso Fernandez Conde. - Rio de Janeiro; Enelivros, 2000.
BENENZON, Rolando O. Manual de Musicoterapia / Rolando O. Benenzon; tradução de
Clementina Nastari – Rio de Janeiro: Enelivros, 1985.
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